terça-feira, 5 de maio de 2015

PEDAGOGIA DA DIFERENÇA.


PEDAGOGIA DA DIFERENÇA

Entrevista com Maria Teresa Mantoan | Edição 216

Pedagogia da diferença


Maria Teresa Eglér Mantoan, uma das maiores especialistas em inclusão escolar no país, defende uma ampla transformação das escolas regulares para atender a todos, indistintamente


Maria Marta Avancini

© Gustavo Morita
Maria Teresa: educação especial deve ser complementar, e não substitutiva

A inclusão escolar não depende de infraestrutura ou de adaptações curriculares que atendam às necessidades individuais dos alunos com deficiência. Para ser plena e efetiva, a inclusão requer, antes de tudo, a compreensão de que a diferença é inerente ao ser humano - diferença entendida aqui não como as características específicas de uma categoria de pessoas, por exemplo, as pessoas com deficiência, mas a diferença que permeia a humanidade e que torna cada ser um único em suas capacidades e habilidades.

Dar conta dessa característica da humanidade é o desafio que se coloca a uma escola que se pretenda inclusiva, como destaca a pedagoga Maria Teresa Eglér Mantoan, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped). A especialista, que acaba de lançar Inclusão escolar - O que é? Por quê? Como fazer? (Summus), ressalta nesta entrevista a importância, os desafios e a obrigatoriedade, por parte das escolas, de acolher todos os alunos por meio de formas mais solidárias e plurais de convivência. 


Sendo uma das maiores especialistas na área, como a senhora define a inclusão?
A inclusão vem justamente da ideia de que nós não temos o direito, de forma alguma, de tratar algumas pessoas de forma diferente e, em função disso, estabelecer um mundo diferente para elas - uma sociedade diferente, uma escola diferente. A inclusão é justamente a compreensão de que é a diferença o que nos constitui, não a igualdade. Nós temos igualdade perante a lei, o que não significa que sejamos iguais. Um erro comum dos professores, da escola e até dos pais é pensar que a inclusão é a inclusão da criança com deficiência. Mas e aquele menino que entrou na escola naquele ano, veio de outro estado, tinha uma linguagem diferente, não deu conta de todos os conteúdos? Ele também está em um processo inclusivo.

A senhora está lançando um novo livro sobre o tema. Qual é a proposta da obra?
Meu objetivo é tornar acessíveis ideias que possam parecer complexas e que, por serem inovadoras, costumam gerar uma resistência por parte das pessoas. A inclusão é uma ideia dessas, uma ideia que rompe paradigmas, que traz para a escola um grande desafio: abandonar esse padrão de pseudo-homogeneidade que ela almeja. Isso, evidentemente dentro dos cânones da escola, que são conservadores, significa alguma coisa que não só desafia, como também amedronta. As pessoas perdem a segurança de atuar dentro de determinados padrões, porque se veem diante de um cenário novo em que as crianças que estão lá não são as crianças dominadas pela escola. São crianças que mostram, principalmente, o que está faltando na escola.

A pesquisa Conselho de Classe - a visão do professor no Brasil, da Fundação Lemann, mostrou que 7% dos professores consideram como tema mais urgente a falta de estrutura para atender as crianças de inclusão na escola. Como os professores podem ajudar na política de educação inclusiva se eles ainda se sentem desamparados?
Essa questão remete a uma parte do meu livro, o "como fazer", como os professores devem atuar numa perspectiva inclusiva para atender toda e qualquer criança. Nessa lógica, as crianças incluídas não são aquelas que precisam de uma pedagogia diferente, de uma atividade diferente, de um currículo adaptado para darem conta na escola. É a escola que tem de se modificar para atender as crianças, e não as crianças que têm de se modificar para atender a escola. Um resultado como esse mostra que a escola não entendeu isso ainda. Que estrutura é essa que os professores estão esperando? É uma estrutura de escola especial que vem para não mudar nada, e esses meninos ficarem sob a responsabilidade dela? Ou é uma nova estrutura na qual os professores têm de trabalhar a partir de um referencial de ensino e aprendizagem que não é o mesmo que a escola utiliza para dar conta do processo educativo das crianças que ela considera dignas de estarem lá?

A escola tem de mudar?
Sim, e mudar não significa exclusivamente ter uma estrutura para atender essas crianças. Mudar, dentro do ponto de vista inclusivo de educação, é mudar para que a escola possa atender a todos sem diferenciar pela deficiência de alguns alunos. A avaliação muda, mas não muda só para essas crianças, muda para todo mundo. As atividades também. A organização curricular muda, mas não muda só para essas crianças, com adaptações à capacidade delas. À luz da Política [de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva], a educação especial deixou de ter a função de auxiliar essas crianças nos conteúdos escolares. Cabe, agora, oferecer recursos que tornem as crianças, o máximo possível, autônomas e independentes para aprender aquilo que é oferecido na escola. É difícil porque os professores e a escola querem que o professor da sala de multirrecursos assuma o papel que é do professor de sala. Os professores querem saber o que devem fazer para ensinar tabuada, para alfabetizar o menino que é deficiente. Esse é o ponto. Ninguém quer mudar aí: se há alguma dificuldade para a criança aprender tabuada, este é visto como um problema do professor de educação especial. Então o professor de classe vai até ele perguntar como fazer.

Nessa linha de raciocínio, a Política, que prevê, por exemplo, as salas de recursos multifuncionais, não reforça essa expectativa da escola regular?
Ao contrário. A Política estabelece que a educação especial não é mais substitutiva, ela é complementar. Ela não pode substituir conteúdo, atividade, o ensino de uma classe comum. Isso era atribuição das escolas especiais e das classes especiais. Na perspectiva atual, a educação especial é complementar porque ela oferece conhecimentos para alguns alunos que a escola comum não dá, como aulas de Libras, por exemplo. O currículo da sala de recursos multifuncionais - que são as salas de educação especial - não é o currículo escolar. Qual a vantagem disso para o professor da sala comum? Ele passa a ter um esclarecimento das necessidades da criança e pode pensar, em conjunto com o professor da sala de recursos, como atuar com este aluno.

Mas por que permanece a mentalidade de usar a sala de recursos como espaço de aprendizagem de conteúdos que deveriam ser dados na sala de aula regular?
Essa mentalidade não muda por causa das cobranças ao sistema de ensino. Os sistemas de ensino se dizem inclusivos, mas a cobrança é sobre a educação especial, e não sobre a escola comum. Isso ocorre desde a esfera federal até a municipal. A esfera federal tem uma política avançada em termos de educação inclusiva, mas a Secretaria de Educação Básica do MEC continua sinalizando o contrário ao dizer: "esperamos que todas as escolas atinjam a meta do Ideb". Mas se pensarmos numa educação democrática, educação para todos, que qualidade de ensino deveríamos sinalizar para a escola? Temos de sinalizar uma pedagogia da diferença, em oposição à pedagogia da homogeneidade, que é aquela em que todos têm de aprender as mesmas coisas, no mesmo tempo e tenham resultados de aprendizagem que correspondam ao que o outro quer, e não àquilo que elas próprias definiram como seu interesse e necessidade.

Algumas escolas privadas têm adotado cota para alunos de inclusão e exigido um acompanhante para estes alunos. O que a senhora pensa sobre isso?
Isso é um absurdo. Conforme a necessidade da criança, ela tem direito a um acompanhante, mas a escola é que deve providenciar. Não é o pai que tem de pagar. Além disso, o cuidador - que deve estar disponível para qualquer aluno - pode até apoiar o professor numa situação específica, mas ele não tem uma função pedagógica. As cotas também são um absurdo. Muitas vezes isso acontece porque há alguns professores que recebem toda e qualquer criança e quando a turma dele está fechada, a escola se recusa a receber a criança. Isso não pode acontecer. Ninguém pode ter matrícula negada por qualquer diferença na escola brasileira. É o que diz a lei.

Pensando nas condições e problemas enfrentados por boa parte das escolas brasileiras, como operacionalizar a inclusão?
Primeiro, a escola precisa estar ciente de suas obrigações. Oferecer educação especial através do atendimento educacional especializado não é uma benesse de algumas escolas; é obrigação dos sistemas de ensino. A escola tem de buscar esse atendimento, os recursos e instalá-los. Também deve buscar professores especializados, embora muitos deles ainda prefiram atuar como professores de educação especial à moda antiga, dando aulas de reforço de matemática, por exemplo. Outra coisa muito importante: os professores que reclamam de seus alunos. É preciso que eles se avaliem com perguntas do tipo: Por que meus alunos não aprendem? O que estou ensinando? Como estou avaliando? Que material tenho usado para que os meus alunos tenham acesso a conteúdos que não estão apenas no livro didático? As escolas têm de avaliar seu próprio ensino, entender para quê serve a avaliação e adotar formas mais evoluídas de avaliar alguém no processo educativo. Não é avaliação formativa, não é avaliação da disciplina. Estamos falando aqui de uma avaliação que gere melhorias. Finalmente, é preciso mudar a mentalidade de que somente os alunos com deficiência são diferentes. Cada um pode evoluir de acordo com o meio onde vive, com a capacidade que tem para ser desenvolvida. Temos de fazer dos nossos alunos os mais diferentes, de modo que eles tenham consciência de que são diferentes, que nós somos diferentes. Somos pessoas que nos distinguimos pela diferença.

Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/216/pedagogia-da-diferencamaria-teresa-egler-mantoan-uma-das-maiores-especialistas-342444-1.asp

segunda-feira, 4 de maio de 2015

NOTA TÉCNICA Nº 20 / 2015 / MEC / SECADI / DPEE


NOTA CNICA Nº 20 / 2015 / MEC / SECADI / DPEE



MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
Diretoria de Políticas de Educação Especial
Esplanada dos Minisrios, Bloco L, Anexo I, 4º andar, sala 412
CEP: 70047-900 Brasília, Distrito Federal, Brasil
Fone: (61) 2022-7661/9081/9177 Fax: (61) 2022-9297


NOTA CNICA Nº 20 / 2015 / MEC / SECADI / DPEE

Data:              18 de mao de 2015.
Assunto:         Orientações  aos  sistemas  de  ensino  visando  ao  cumprimento  do artigo   da  Lei  n°  12764/2012  regulamentada  pelo  Decreto  n°
8368/2014.



A Diretoria de Políticas de Educação Especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação – DPEE/SECADI/MEC  utiliza-se  da  presente  para  orientar  os  sistemas  públicos  e privados de ensino sobre a autuação de gestores escolares e de autoridades competentes, em razão da negativa de matrícula a estudante com deficiência.

Com base no artigo da Lei 12.764/2012 e no artigo 5º, §1º, do Decreto
8.368/2014, conforme Parecer nº 171/2015/CONJUR-MEC/CGU/AGU, os sistemas públicos e privados de educação básica e superior devem assegurar a matrícula das pessoas com deficiência, considerando que a educação constitui direito humano incondicional e inalienável.

A efetivação desse direito decorre da garantia de matrícula e de condições para a plena participação e aprendizagem em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, em consonância com os atuais marcos legais, políticos e pedagógicos da educação especial na perspectiva da educação inclusiva.

O direito das pessoas com deficiência à matrícula em classes comuns do ensino regular ampara-se na Constituição Federal de 1988, que define em seu artigo 205 a educação como direito de todos, dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, garantindo, no artigo 208, o direito ao atendimento educacional especializado.

Além disso, em seu artigo 209, a Constituição Federal estabelece que o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: cumprimento das normas gerais da educação nacional, bem como a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. [grifo nosso].


De acordo com artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficncia ONU/2006, promulgada no Brasil com status de emenda constitucional por meio do Decreto 186/2008 e do Decreto 6.949/2009, o direito à educação somente se efetiva em um sistema educacional inclusivo.

Para tanto, ressalta-se o disposto no artigo da Lei 12.764/2012, que determina multa de  03  (ts)  a 20  (vinte) salários-mínimos  agestor  escolar,  ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência.

Ao regulamentar esta Lei, o Decreto 8.368/2014 estabelece, no §1º, do artigo


5º:




Cabe ao Ministério da Educação a aplicação da multa de que trata o caput, no âmbito dos estabelecimentos de ensino a ele vinculados e das instituições de educação superior privadas, observado o procedimento previsto na Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

Por oportuno, sublinha-se que o referido Decreto dispõe ainda, no caput do seu


artigo 7:




O órgão público federal que tomar conhecimento da recusa de matrícula de pessoas com deficiência em instituições de ensino vinculadas aos sistemas de ensino estadual, distrital ou municipal deve comunicar a recusa aos órgãos competentes pelos respectivos sistemas de ensino e ao Ministério Público.



Assim, considerando os princípios do sistema nacional de educação, efetivado mediante articulação e colaboração entre os entes federados, compete ao sistema responsável pelo credenciamento de instituições de ensino, a instauração de processo administrativo com vistas ao exame de conduta subsumível ao art. da Lei 12.764, de 2012.

Posto que cada ente federativo possui compencia para dispor sobre seu próprio processo administrativo, nos termos do art.
24 da Constituição Federal/1988, recomenda-se que o processo inicie-se com a denúncia ou representação da infração, seguindo-se a coleta de informações administrativas sobre a instituição de ensino e posterior notificação para apresentação de defesa e indicação de provas, em prazo razoável, seguindo-se uma etapa de diligências eventuais e julgamento por instância administrativa responsável pela supervisão das escolas públicas e  privadas,  prevendo-se,  ainda,  uma  instância  recursal  ao menos.


Sabendo que compete ao Ministério da Educação reconhecer, credenciar e autorizar as instituições privadas de educação superior e toda rede federal, fica sob a responsabilidade  da  DPEE/SECADI/MEC,  juntamente  com  o  Ministério  Público Federal, o acompanhamento dos procedimentos relativos à recusa de matrícula nessas instituições, emitindo parecer conclusivo, a fim de embasar recomendação à Advocacia Geral da União AGU, para que proceda à execução da multa, assegurado plenamente, o processo legal.

Nas esferas municipal, estadual e distrital, compete às secretarias de educação, a adoção de encaminhamento análogo, visando favorecer a análise e emissão de parecer de  processos  alusivos  à  recusa  de  matrícula  em  instituições  escolares,  públicas  e privadas, sob sua regulação, com a finalidade de encaminhá-los ao setor responsável pela aplicação de multas no âmbito de cada administração pública.

Cumpre destacar que concluído o processo instrutório, encaminha-se notificação ao  Ministério  Público.  Havendo  omissão  do  órgão  responsável  pelabertura  do Processo, remete-se ao Ministério Público para as devidas providências.
Dessa forma, fortalece-se o desenvolvimento do sistema educacional inclusivo, atendendo os princípios do sistema nacional de educação com a garantia do direito de todos à educação.





Martinha Clarete Dutra dos Santos Diretora de Políticas de Educação Especial DPEE/SECADI/MEC